Aprender a amar.

O amor humano
Amar é dar-se; é encontrar a própria felicidade em fazer um outro feliz; o verdadeiro amor baseia-se no esquecimento de si. Mas implica uma contradição porque, ao mesmo tempo, ama-se porque se encontra a própria felicidade no outro; é pois uma tendência natural fazer do outro o instrumento da própria felicidade. O amor oscila do próprio para o outro.
No ponto de partida do amor humano, o amor de si mesmo, a procura da felicidade, ocupa inevitavelmente o primeiro lugar. Ninguém se casa por espírito de sacrifício e, se alguma alma generosa pensa fazê-lo, é preciso desviá-la dessa ideia. Sucede de vez em quando que um rapaz – ou mais frequentemente uma rapariga – amado por alguém a quem não ama, comovido por este amar, aterrorizado com o pensamento de poder despedaçar uma vida com uma recusa, aceita o casamento. A única coisa que com isso consegue é, por via de regra, despedaçar duas vidas em vez de uma, porque uma condição da felicidade conjugal é que cada um dos esposos faça o outro feliz.
O homem novo, no limiar da vida, quer realizar a sua vida e isso leva-o a procurar uma companheira. A rapariga sonha com um companheiro. É natural, legitimo e são que pensem em si mesmos neste momento, e que o outro lhes apareça como aquilo que para eles representa. Mas a purificação deste amor natural, nitidamente egocêntrico, está em que, muito em breve, logo que o amor se assegura da reciprocidade, ultrapassa a simples procura da felicidade pessoal, sentindo-se aquele que ama feliz em fazer a felicidade do outro, pensando nessa felicidade e experimentando o assombro feliz e o enternecimento das almas puras ao ver que constitui toda a felicidade de um outro ser humano. O desejo de tornar o outro feliz, o reconhecimento pela felicidade recebida tomam então lugar a par ou, mais exactamente, no íntimo do desejo de felicidade pessoal. No entanto continua a ser próprio da natureza do amor humano desejar que o ser amado seja feliz por nós; queremo-lo feliz, mas não suportaríamos que devesse a sua felicidade a outra pessoa; desejamos realizar nós próprios a sua felicidade porque o amamos e porque é esse um dos elementos do amor. O ser amado é tudo para nós, e pretendemos ser tudo para ele; a sua felicidade entra nesse todo, a par do que é próprio de si mesmo. O amor humano é uma associação de dois seres e de duas felicidades; está na sua natureza não mais fazer distinções.
Encontra-se de vez em quando – e romances célebres analisaram este caso – um homem que se sacrifica à mulher que ama, ao ver que está mais feliz com outro. É um caso anormal, que nos deixa uma impressão doentia e que, em todo o caso, só é compatível com o despedaçar do coração do que se dispõe ao sacrifício. O amor humano, o amor que conduz ao matrimónio, tende à união, isto é, tende a uma felicidade em que sejam dois, dois felizes. Não está feito para a felicidade de um só em prejuízo de um outro.

Euforia amorosa

Os noivos têm a ideia de que um amor muito profundo os une, capaz de resistir a todas as provas, porque o amor do noivado é estimulado pelo desejo ainda não realizado e porque apenas se vêem nesse momento os encantos da vida conjugal, apresentando-se as dificuldades ainda longínquas. Quando os noivos têm uma alma generosa, facilmente incluem nos seus projectos o de realizar uma vida perfeita sob o ponto de vista moral, e estas perspectivas só vêm aumentar a atracção do matrimónio. Pelo facto de os esponsais realizarem os seus desejos e de os encaminharem sem dificuldades para o que julgam ser a sua felicidade, todas as suas tendências idealistas se libertam. De momento, não exigem estas nenhum sacrifício. O tempo do noivado é, por conseguinte, em muitos casos, um período de expansão espiritual.
A euforia amorosa algumas vezes é menor quando os noivos chocam com dificuldades, quer porque são contrariados no seu amor, quer porque o noivado dura demasiado tempo. Os noivos de vários anos, que preferentemente se encontram nos países do Norte, criam uma espécie de hábito pré-matrimonial que acalma o sentimento. Salvas porém, todas as excepções, pode dizer-se que na ordem habitual das coisas, o tempo de noivado é um tempo de felicidade amorosa fácil e de vivo amor.
A seguir, os primeiros meses de casamento são também, normalmente, um tempo de felicidade perfeita e de amor em pleno auge.
Um grande número de factores concorre para isso. O rapaz novo e a rapariga nova estão numa idade em que a vida em casa dos pais se torna mais ou menos pesada. Porque, em casa dos seus pais, não deixam nunca de ser os filhos; o centro da família não são eles; a vida familiar encontra-se organizada primordialmente em função dos pais e segundo os gostos dos pais. A disposição dos quartos, os móveis, as refeições, todo o teor da vida quotidiana está regulado pelos pais, como melhor lhes parece, e os filhos têm de se submeter… No entanto, os filhos chegaram a uma idade em que o ser humano experimenta o desejo de ser senhor de si mesmo e de regular o seu próprio destino. E eis que, uma vez casados, bruscamente, poderão ter uma casa própria, que ordenam a seu bel-prazer, onde tudo se fará de acordo com os seus gostos, onde apenas têm de consultar as suas preferências. E como o amor entre eles está no auge, cada um deles encontrará a sua felicidade em que o outro seja feliz.
Os móveis estão dispostos na sua casa como eles querem que estejam; as refeições são às horas que lhes parecem oportunas e a cozinha é ao seu gosto. A isto vem juntar-se a plena liberdade do amor afectivo e carnal que é causa igualmente de uma paixão e de uma satisfação profunda, o abandono à paixão amorosa sem turbação de consciência, sem precauções. Nada vem coarctar esta liberdade. Sob todos os pontos de vista estes começos do matrimónio são uma espécie de paraíso terreal, em que parece poder-se dar rédea solta aos próprios desejos, e em que o amor só traz consigo felicidade.
Uma vez mais, isto não sucede sempre de um modo tão absoluto, mas, por pouca saúde que os esposos tenham, sempre que possuam um mínimo de recursos e um carácter suportável, as satisfações da vida conjugal excedem de tal modo as dificuldades, que estas são relegadas para um segundo plano. E se o noivado teve de superar obstáculos, se os jovens noivos tiveram de esperar muito tempo para se casarem, a explosão e a doçura da felicidade conjugal tornam-se por vezes mais vivas. O estado dos recém-casados é, na ordem habitual das coisas, o estado de felicidade humana perfeita.

O conhecimento do outro

“Amo-te por seres como és” significa: “conheço-te, reconheço a essência inconfundível do teu ser, e aceito-te tal como és”. O amor conjugal como todo o amor, tem que ser, em primeiro lugar, amor pelo conhecimento. Só posso amar a quem conheço, e se o amo desejo aprofundar cada vez mais o seu conhecimento. Por outro lado, eu também desejo que aquele que é amado por mim me conheça cada vez melhor. É por isso que aqueles que se amam procuram a conversa e a presença da pessoa amada de uma maneira cada vez mais intensa. O que a Bíblia diz de “conhecimento” ao referir-se à união sexual tem um sentido profundo.
Conhecemos o outro – e não o conhecemos, pois cada pessoa é um mistério inexplicável, insondável. Quanto mais nos metermos nas profundezas da nossa própria personalidade ou na de outra pessoa, mais obscuro se torna para nós aquilo que desejamos captar. Apesar disto, o amor conserva vivo o desejo de penetrar no mais íntimo do outro. E só ele nos pode revelar, sequer um pouco, como é realmente a outra pessoa.
O amor verdadeiro faz ver, não cega. Se amo alguém, apercebo-me, por exemplo, se se aborrece, apesar de tentar disfarçá-lo. Verei ainda e compreenderei que o outro tem medo ou se sente culpado. O seu aborrecimento é só uma expressão do seu descontentamento. Vejo, então, a sua perturbação e sofrimento e não o seu aborrecimento.
Nos primeiros tempos de um casamento, o verdadeiro conhecimento do outro e a antecipação do seu futuro desenvolvimento só é possível de uma maneira muito deficiente. Para isso é necessária uma convivência de anos. O conhecimento adquirido com o tempo pode ser doloroso, mas também libertador: talvez o outro não corresponda às primeiras impressões, ao ideal sonhado; vejo cada vez mais claramente as suas limitação e fraquezas, as faltas e as imperfeições. Mas quanto mais me afastar do meu ideal sonhado, mais profundamente perceberei que o outro é único. (Cada pessoa é uma pessoa; os produtos da fantasia, pelo contrário, são extremamente estereotipados. Um exemplo patente são os romances cor-de-rosa).
Posso aperceber-me de que o outro é diferente de todos os que existiram antes e existirão depois. Com o tempo, chegarei a conhecer também as suas possibilidades mais recônditas. Conheço-o, não só pelo que é, mas também pelo que pode e deve ser, como poderia ser a sua perfeição e a sua autêntica auto-realização. Vou vivendo cada vez melhor, como Deus o quer ver realizado desde a eternidade e para a eternidade. Por isso, o céu é, em certo sentido, uma parte de todo o amor autêntico. O céu dever-se-á compreender aqui como aquele lugar onde tudo atingiu a sua perfeição. Quanto mais amo uma pessoa, mais profundamente consigo penetrar no seu ser e aperceber-me da sua máxima perfeição. Por isso, o amor, poderíamos dizer em certo sentido, é uma antecipação do Céu.
Naturalmente, o conhecimento da outra pessoa não deve afastar-nos da realidade, pelo contrário, agarrarmo-nos mais fortemente a ela. Quanto mais conhecer o outro por aquilo que é e pelo que deve ser, mais deve crescer o meu amor por ele.
Se assim não for, este conhecimento esfumar-se-á e ficará somente a desilusão e a resignação produzida pela recordação de uma ilusão. Pelo contrário, quanto mais crescer o meu amor, mais desejarei que o outro seja o melhor e o mais perfeito possível, em suma, que se realize o máximo; e assim estarei preparado para o ajudar a alcançá-lo. Vejo com uma clareza cada vez maior como a minha auto-realização pessoal consiste em ajudar o outro a realizar-se.

Educar o amor

Educar o amor é, em primeiro lugar, purificá-lo. Purificá-lo é libertá-lo da procura de si mesmo. Uma vez correspondido o amor, obtido o consentimento, cada um dos amantes, noivos ou esposos, se deve preparar para viver para o outro. O homem deve pôr a sua felicidade em tornar a mulher feliz; a mulher, em tornar o homem feliz. O amor, para o homem, deve ser a alegria de tomar sob a sua protecção a mulher que se lhe confia e assegurar-lhe uma vida que lhe permita realizar-se perfeitamente; o homem deve empreender com entusiasmo a obra cuja finalidade é tornar a mulher feliz, assegurar-lhe no lar a atmosfera que assegure todas as suas esperanças. E a mulher deve ver no amor a alegria de ser a animadora, o sustentáculo do seu marido, aquela graças à qual ele será capaz de afrontar a vida e de cumprir a sua missão de homem. Mas ambos deverão aumentar ainda o seu amor e libertá-lo de si mesmos; deverão sublimá-lo, centrando-o sobre a obra que lhes será comum – os filhos, cujo lugar no amor conjugal é imenso. Consagraremos a este item, um capítulo inteiro: observemos desde já que este lugar do filho opõe ainda o amor conjugal ao amor extra-conjugal porque, para este, o filho é um embaraço e um acidente lamentável. Apenas se limita aos amantes e não pode alargar-se até ao ponto de os superar pelo filho, no qual, pelo contrário, encontra o amor conjugal a sua mais alta consagração, a sua mais perfeita expressão, a par da sua mais completa realização.

Cultivar o amor

Depois, é preciso cultivar o amor. Se o amor é frágil, não se pode expor às rajadas do acaso: deve-se mantê-lo; deve-se cultivá-lo para que se desenvolva. Cada um dos esposos deve constantemente recomeçar a conquista do outro. Uma senhora de idade, que havia sido profundamente feliz numa união de quarenta anos, dizia-me: “a mulher não deve deixar nunca de procurar agradar a seu marido”. Deve manter um mínimo de coqueterie, pensar em agradar, não aos fátuos com que se cruza, mas ao seu marido. E o marido deve, todos os dias, procurar o amor da sua mulher.
Esta conservação do amor reveste formas diversas, consoante os lares. Alguns maridos apreciam na sua mulher uma elegância discreta, que não dê nas vistas; outros, sentem-se lisonjeados com o seu sucesso. Mas o que não há dúvida é que nenhum marido gosta de que a sua mulher seja desleixada. As mulheres desejam por via de regra compartilhar das preocupações do marido e introduzir-se na sua vida; a sua grande aspiração é serem tomadas a sério. Quando um marido apenas espera da sua mulher a sopa e as pantufas, é de temer que ela seja sensível a um terceiro que lhe venha manifestar apreço pela sua finura e sensibilidade. E ainda que esse terceiro não apareça, ou que ela seja suficientemente virtuosa para resistir a um terceiro, é de temer que enlanguesça como uma flor numa cave, e que já não experimente alegria em viver no lar.
Aprender a amar é, como vimos, aprender a viver para outrem. Despertar e estimular este amor é o milagre do amor conjugal, que se não pode conceber fora do matrimónio; e é por isso que o bom amor conjugal conduz a uma forma muito elevada de perfeição. Contudo, os esposos têm de passar por uma escola e esta escola do amor é algo muito diferente do que por isso se entende na literatura adulterada que usa termos semelhantes.

Dar e receber

O que ama quer a felicidade do outro. Por isso se preocupa com o outro e não com o seu próprio bem estar. O outro transforma-se no objecto dos pensamentos, sentimentos e desejos, da sua esperança e dos seus anseios. Não só vive com ele mas também para ele. Quer que o outro possa apoiar-se em si, fazer-lhe um bem. O Papa João Paulo II disse que quem ama de verdade deseja dar tudo aquilo que não se pode comprar nem vender, pois isso é o que vale mais. Aquele que ama dá algo de si mesmo, da sua própria vida, do que está vivo em si próprio.
Partilha as suas alegrias e as suas tristezas, as suas ilusões e desilusões, as suas experiências e planos para o futuro, os seus conhecimentos, os seus interesses, as suas reflexões e o seu humor, numa palavra: dá-se a si mesmo. Partilhando a sua vida com o outro, enriquece-se. Aumenta a sensação de estar vivo e torna-se mais forte. Quando alguém dá de verdade, não tardará em receber. Pois a entrega de um fomenta a generosidade do outro, satisfazendo ambos.
Na verdade, dar significa receber, não só nas relações matrimoniais, mas também em muitas outras situações. O professor aprende com os seus alunos, o desportista sente-se animado pêlos espectadores, alguns psicoterapeutas são curados pelos seus próprios pacientes. Tudo isto é óptimo enquanto não se cai na grande tentação de se procurar a si mesmo nessa entrega. Pois até nos actos mais desinteressados pode faltar o amor; até a bondade se pode converter em injustiça para com a outra pessoa, e uma entrega ostensiva pode chegar a ser ofensiva. Basta pensar nas donas de casa que se matam a fazer limpezas, e depois o lançam à cara do marido.
O desprendimento é elemento essencial do amor. Só quando se sabe abstrair de si mesmo, e não se procura constantemente o elogio e o apreço por parte dos outros é que se é capaz de partilhar a vida de outra pessoa. Isto pressupõe um certo nível de amadurecimento e de independência, já que é necessário ter-se aceitado a si próprio antes de poder fazê-lo com outra pessoa. Para poder aprofundar os pensamentos dos outros é preciso dispor, antes, de reflexões próprias. Tanto o homem como a mulher têm de se tornar capazes de discorrer e fazer planos por sua conta própria. Esta independência é condição prévia para a capacidade autêntica de amor. Se eu depender de alguém por incapacidade de ser independente, essa pessoa pode ser meu salvador, o meu ponto de apoio, o meu orgulho e o meu lar; mas a nossa relação jamais se poderá chamar amor! Enquanto não tiver as minhas próprias convicções, e os meus próprios actos forem só reacções aos actos alheios e os seus ecos, não poderei ser um verdadeiro amigo de ninguém.
O amor só é possível na base da liberdade. Quem é livre, não se opõe a entregar-se nem o incomoda sentir-se insignificante. Não inveja no outro o que ele próprio talvez não tenha, e frequentemente, alegra-se se o outro for mais importante do que ele.

Homem e mulher

Mas, sobretudo, o marido tem de aceitar que a sua mulher seja uma mulher, e a mulher que o seu marido seja um homem.
Isto parece uma verdade de Monsieur de La Palisse e, contudo, merece ser dita, porque nos conduz ao âmago desse mistério dos sexos, que não podem passar um sem o outro, nem chegar a um perfeito acordo.
O homem tem necessidade da mulher e a mulher do homem e, a par disso, há entre eles uma diferença de natureza que se reflecte sobre o seu carácter e sobre todas as suas aspirações, de tal maneira que quase nunca chegam a completar-se exactamente um ao outro nem a eliminar todas as incompreensões que os separam.
E muitas das dificuldades do matrimónio advêm de não ter o marido reflectido seriamente nos problemas que nascem do facto de ter casado com uma mulher, da sua obrigação de a tratar como mulher, respeitando o seu carácter de mulher, as suas necessidades e aspirações; enquanto que, por seu lado, a mulher não pensou nunca que, pelo facto de se ter casado com um homem, o deve tratar como homem, respeitando as suas necessidades e aspirações de homem.
Casando-se, o marido assume o encargo de fazer uma mulher feliz; a mulher, de fazer um homem feliz. A felicidade de uma mulher não depende dos mesmos elementos que a felicidade de um homem e a tendência natural de cada um inclina-o a tratar o outro de acordo com as suas próprias necessidades e aspirações.
Normalmente, o homem tem mais espírito de decisão; nasceu para mandar e para acarretar com as responsabilidades; é também mais objectivo e preocupa-se mais com as realidades do que com o sentimento; em compensação, preocupa-se pouco com os detalhes e prefere lançar sobre as coisas uma vista geral. A mulher presta mais atenção aos aspectos particulares, aos detalhes, aos sentimentos. Gosta de multiplicar as suas atenções, os presentes em si mesmos insignificantes; uma flor ou um laço são, para ela, muito importantes porque traduzem uma atenção. O homem prende-se mais ao material, ao sólido; a mulher à forma, à apresentação. Se cada um deles se deixa levar pelo seu temperamento, sem se preocupar com o outro, a mulher acabará por irritar o marido, que a achará complicada; e o marido acabará por ferir a mulher, que o achará grosseiro.
O homem sente-se maior ao proteger uma fraqueza. Muitos homens, que têm na sociedade uma função subalterna, encontram no lar os elementos tónicos que lhes incutem audácia e segurança, porque, no seu lar, são os reis. Pelo contrario, a mulher sente-se elevada pelo facto de um ser mais forte do que ela lhe consagrar a sua vida, estar ao seu serviço, trabalhar para ela. O homem, normalmente, quer ser o senhor, mandar; se é ele que suporta o peso das responsabilidades, deve ser ele a decidir; a mulher, pelo contrário, gosta de sentir um senhor, gosta de sentir a força do homem, porque é tranquilizador e belo para ela que esta força se encontre ao serviço da sua felicidade; mas gosta, ao mesmo tempo, de dirigir esta força. A mulher procura levar o homem a fazer o que ela quer, mas fá-lo de um modo indirecto, levando-o, afinal, a decidir o que ela quer que decida. O grande triunfo da mulher está em dar ao homem a impressão de que é ele quem tudo decide, ao mesmo tempo que lhe inspira todas as decisões, e em ter simultaneamente a plena consciência de ser dominada e de ser senhora desta força que a domina.
O marido dá sobretudo importância a que a sua mulher reconheça a sua autoridade, a que ela o consulte, mas, a par disso, não tem interesse em que ela o massacre com todos os detalhes do lar. Quereria que a sua mulher adivinhasse o que ele deseja fazer e as coisas que considera aborrecido estarem a contar-lhe. A mulher dá sobretudo importância a que o seu marido se ocupe dela, se interesse por ela; quer preencher a sua vida e ser tida não somente acima de qualquer outra mulher, mas também de qualquer outro interesse. Por vezes, também os negócios se tornam para ela um inimigo quando tem a impressão de que o seu marido se interessa mais pela própria profissão do que por ela. E é por este motivo que muitas mulheres têm a pretensão de que o seu marido lhes fale do seu trabalho, das suas ocupações profissionais, dos incidentes da profissão, das dificuldades que nela encontra, ainda que pouco percebam, porque vêem nisso, não o interesse do assunto em si, mas a intimidade que têm com o marido, a penetração na sua vida. Pelo contrário, o homem, mais realista e menos sentimental, acha inútil falar à mulher de assuntos que sabe destituídos de interesse para ela, ou mesmo incompreensíveis para os profanos. E, quando se encontra em família, nada tendo que contar, está taciturno, silencioso, aborrecido; porém, logo que encontra colegas com quem possa falar da sua actividade, imediatamente se anima, a sua voz retoma o timbre normal e os seus olhos um novo brilho; e a pobre mulher desolada tem a impressão de que ele a não ama e de que só é feliz com os outros…
Para que a união se realize plenamente, cada um deve ter o cuidado de dar ao outro aquilo de que tem necessidade. Mas compreende-se que, ainda nas melhores famílias, possa acontecer que tanto o marido como a mulher experimentem o desejo de se confiar a um terceiro, que poderá ser um amigo, sobretudo para o marido; a mãe ou a irmã, para a mulher; ou, ainda, para um e outro, um confessor.
Em todo o caso, no matrimónio realiza-se também essa regra fundamental de tudo o que é humano – que a felicidade não se obtém sem esforço. A conformidade de dois seres humanos, o seu bom entendimento, o seu acordo, a união de vida, exigem a conciliação de ambas as partes. E se o homem tem necessidade da mulher e a mulher necessidade do homem, deve-se isso, entre outras razões, às diferenças que os separam, e são essas mesmas diferenças que, explicando a necessidade que um tem do outro, explicam também as dificuldades inerentes à união.
Compreende-se então a inutilidade das discussões acerca da superioridade do homem sobre a mulher ou da mulher sobre o homem. O homem e a mulher são diferentes um do outro e cada um deve encontrar na união o fermento do seu pleno desenvolvimento. Nas relações entre esposos, no que cada um entrega ao outro, não podemos procurar equivalências de acordo com um princípio aritmético. O afecto do marido pela mulher tem um carácter diferente do afecto da mulher pelo marido; também as suas manifestações são diversas. A segurança que a mulher encontra num homem verdadeiramente viril, com a energia e a decisão que caracterizam a virilidade, não é redutível a um denominador comum com o apoio que o homem encontra numa ternura feminina, vigilante e solícita. Segundo uma expressão já gasta, à força de muito usada, e que continua sendo exacta, a mulher é a alma do lar. A sua influência sobre o homem, a quem apoia e estimula, a sua influência sobre os filhos, a acção que através deles exerce sobre toda a evolução humana, é menos visível que a do homem, que aparece desacompanhado na praça pública; mas ninguém pode pesar este género de valores. A influência da mulher sobre o lar é, sem dúvida, maior que a do homem. Uma mulher infiel ao vínculo conjugal e, por conseguinte, infiel ao lar que deve ser o centro da sua vida, causa sem dúvida maior transtorno à família do que a infidelidade do homem; e, se a família é a primeira das instituições de que depende o desenvolvimento da humanidade, o papel da mulher nada fica a dever ao do homem. No entanto, é diferente. Não cabe à mulher desempenhar o papel do homem, nem ao homem desempenhar o papel da mulher. A maior felicidade a que uma mulher pode aspirar no matrimónio é ter um marido que seja verdadeiramente homem, apesar de todas as rudezas e, inclusive, indelicadezas, com que terá de pagar estas qualidades; e aquilo a que de mais precioso pode aspirar um homem é que a sua mulher seja na verdade uma mulher, apesar de todos os aborrecimentos que lhe possa causar a sua afectividade.
O homem precisa, na realidade, dessas qualidades femininas que lhe faltam e a mulher das qualidades masculinas. É uma espécie de apoio que o homem não encontra nos outros homens, nem a mulher nas outras mulheres.